A CASA DAS SETE CELAS

         O autor costumava conversar com os personagens dos esboços engavetados, com objetivo de verificar se o proposto fazia sentido. Havia solicitado que Angelina comparecesse em seu gabinete. A convidada, comparecendo, apresenta-se compenetrada: É Angelina, personagem central da imaginação titulada “A Casa das Sete Celas”. Faria um relato no espaço, semelhante ao dos Alcoólicos Anônimos, referentes a experiências vividas.
          – O que você tem a dizer? – pergunta o autor.
          – Vivência da infância e da adolescência, senhor.
          – Qual a razão do trauma?
          – Um conselho que daria a uma amiga.
          – Portanto, inconsistente.
          Ela medita.
          –… Sei que me arrependeria, senhor.
          O autor, encarando-a, acende o cigarro, dando-lhe assim permissão para que ela narrasse o fato que seria apresentado no espaço onde eram acolhidas as reflexões.
          – A princípio, senhor, diria aos ouvintes do conceituado espaço que relataria uma recordação. Quando garota, acompanhava a mamãe nas caminhadas destinadas a compras. Agradáveis caminhadas aquelas ocorridas nos meus nove a doze anos de idade. Em dado ponto, em uma determinada avenida, tínhamos que atravessar uma rua. A mamãe se benzia e ordenava-me que fizesse o mesmo. Indagaria o motivo. Mas, como criança não carecia de explicação, simplesmente ouviria: “Obedeça, minha filha.” No entanto, aos dezesseis anos de idade, descobriria a identidade popular da temida rua: “Rua da Casa das Sete Celas.” Depois que relatasse tais lembranças, diria que o raciocínio seria pertinente e entenderiam. Deus havia criado o homem à sua semelhança. Então, quem teria mexido com a cabeça de Eva a ponto de ela praticar a célebre desobediência?
          – Quem teria mexido com a cabeça de Eva a ponto de ela praticar a célebre desobediência?
          – Sim.
          – Qual a relação entre uma coisa e outra? – indaga o autor.
          – Qual a relação entre uma coisa e outra, senhor?
          – Isso.
          – A seita realizada na “Casa das Sete Celas”, era raiz. Quem teria mexido com a cabeça de Eva a ponto de ela praticar a célebre desobediência?
          Concentrando-se na resposta, o autor fuma e mergulha em pensamentos. Em dado momento, escuta ela dizer:
          – Mas me arrependeria, senhor.
          – Arrependeria de quê?
          – Do conselho que daria a uma amiga.
          – A quê você a aconselharia?
          – Essa amiga, senhor, sofria de tristeza degenerativa. Um de seus filhos, uma vez nas trevas, fora terrivelmente maltratado. Fato que se repetiu uma vez sob a luz.
          – A quê você a aconselharia?
          – A visitar a “Casa das Sete Celas”. Alguém me dizia que havia uma cela sem dono. Apressasse, porque era praxe abrirem todos os dias à meia-noite as sete celas. Essa minha amiga, senhor, estaria profundamente ferida. Então perceberia que os seus olhos brilhariam.

          O autor, procurando entender, medita.
          –… Você se arrependeria do conselho.
          – Como disse senhor: o fundamento da seita era raiz. Portanto colaboraria para que mais uma vez as sete celas fossem abertas.
          O autor, encarando-a, procura o recosto da cadeira, medita e diz:
          –… Pode se retirar, Angelina. Agradecido pela ajuda.
          Retirando-se, mergulha em pensamentos.



ILUSÃO OU FATO?