A IRA DE UM ARTISTA

Enquanto o presidiário Antun desenvolvia o trabalho artístico, os colegas de cela comentavam a respeito: era ele um artista nato, porém sem sorte.



          – A maquininha fotográfica foi picaretagem. – afirmou um deles.
          Talvez. Pois no manual de instrução constava: “Fotografa a ESCURIDÃO e não na escuridão.” Então só paspalho comprava. A maquininha em foco, inventada e comercializada por Antun, como dito, nada fotografava, ou melhor, fotografava a escuridão. Em razão do preço, uma ninharia, o não inadvertido comprador, ao despertar para o golpe, ria, e atirava a porcaria fora. Entretanto, o país vivia turbulenta fase política. Então, num belo dia, homens da lei, nada cordiais, atendendo denúncia, acercaram a banca. Antun, querendo saber o motivo da brutalidade, obteve como resposta: fustigar desesperança. Pasmado, tentou argumentar que era apolítico, mas não houve jeito. Desmancharam a banca, encheram-no de porrada e o levaram preso.
          – … Imagem santa… – lembrou o detento que fumava.
          Este segundo atropelo lhe rendera uma próxima temporada na cadeia. Havia introduzido, invertidamente, uma travessa de cabelo dentro de outra e visto o contorno de um rosto angelical formado. Então, exatamente daquele jeito, mandou confeccionar uma enorme quantidade em metal e passou a comercializar. Num belo dia, homens da lei, nada cordiais, atendendo a nova denúncia, acercaram a banca. Antun, querendo saber o motivo da brutalidade, obteve, como resposta, que se tratava de profanação à imagem da Virgem Maria. Unindo as sobrancelhas, o chefe do cortejo apontou para os chifrinhos. Tentou argumentar, mas não houve jeito. Arrebentaram a banca, destruíram todas as profanadas imagens santas, encheram-no de porrada e o levaram, de novo, para a cadeia.
          – É um artista nato. O boneco falante que o diga.
          Esse episódio foi o que lhe rendera a atual estadia na prisão. O boneco, ao ser indagado qual era o seu nome, respondia: “Du!” e, uma vez perguntado se sabia escrever, levava a mão ao bolso da calça e dizia: “Aqui a caneta!” Vendia bem. As crianças adoravam. Porém, num belo dia, homens da lei, nada cordiais, atendendo mais uma denúncia, acercaram a banca. Antun, querendo saber o motivo da brutalidade, obteve, como resposta, que o motivo era o incentivo à imoralidade. Abrindo as mãos e dizendo não estar entendendo, o exaltado chefe da comitiva, apoderando-se de um dos bonecos, pediu para que prestasse atenção ao que seu fantoche dizia. Ora, a voz do boneco era sintetizada. Então “Du” e “Caneta” soavam de modo estranho, principalmente “Caneta”, uma vez que o dito cujo levava a mão ao bolso da calça. Tentou argumentar, mas não houve jeito. Puseram banca abaixo, pisotearam todos os bonecos, encheram-no de porrada e o levaram preso.
          Antun, dando sinais de ter concluído o trabalho, ouviu o que um dos detentos anunciou:
          – Retrata uma locomotiva a penetrar em um túnel!
          Deixaram os seus respectivos lugares e foram apreciar a obra de perto. Elogios não faltaram. No entanto:
          – Há algo de esquisito nisso. – observou um deles.
          Antun nada disse. Ressentido com as judiações sofridas, balbuciou, apenas, inaudível, que retrava o que mentirosos, os hipócritas e os perversos, mereciam.
          Cumprida a pena, deixou o presídio e providenciou que a obra fosse reproduzida num grande número de vezes. Encomenda entregue, escolheu um bom ponto e passou a comercializar. Não demorou muito para ser visitado.
          – Nossa, que maravilha de trabalho! – exclamou a elegante senhora, diante da obra, tendo a seu lado o filho.
          – Gostou, senhora? – inquiriu Antun afável.
          – Adorei, senhor! Nunca vi trabalho igual.
          No entanto, o garoto, de aspecto bobão, imenso óculos na cara, advertidamente perguntou:
          – Vai comprar isso, mamãe?
          – Vou sim, meu filho. Por que esse modo desprezível de falar? Isto é uma obra de arte do senhor…
          – Antun, senhora!
          – Isto é uma obra de arte do Antun, meu filho!
          – Mamãe!
          – … Largue de ser chato… – retrucou abrindo a bolsa.
          – Preste atenção, mamãe, não é uma locomotiva, nem muito menos um túnel.
          A elegante senhora, irritada, ergueu a tela, olhou−a sob diversos ângulos e resmungou.
          – Ora, meu filho, se não for uma locomotiva e nem túnel, o que poderia ser então?!
          O garoto nada respondeu. A mulher quitou a compra e, arrastando o filho pela mão, seguiu feliz levando a obra consigo.
          Antun? Enriqueceu! A quase despercebida imoral obra de arte enfeitou paredes e mais paredes de milhares de residências.

 
ILUSÃO OU FATO?