Era comemorado “O Dia da Família”. Data em que Ueli, 40 anos, paraplégico com retardamento mental, vítima de uma queda, fato acontecido ali mesmo, na vila, sabia, através da faixa festiva exposta no interior de sua residência, que seria o dia certo para rever os antigos amigos…
E assim, numa rotina anual, sabia da ordem de chegada de cada um deles. July, como sempre a primeira, apontou. Era uma consagrada atriz de televisão. Parou o carro, arriou o vidro da janela e, enviando um beijo para Ueli, gritou:
– Te amo, Ueli!
– …
Ela seguindo, Ueli, fitou a residência em frente: Ted, 12 anos, neto do falecido senhor Teoli, brincava com o cão… A vila tinha sido fundada há sessenta e cinco anos, e a renovação de moradores, ao longo desse tempo, era praticamente nula.
– Pra dentro! – disse Ted conduzindo o pequeno cão para o interior da residência.
Ueli, após retirar as vistas da cena, descansou-as no pavimento superior do imóvel. Era nele que o senhor Teoli tinha o costume de ficar. Um bom sujeito, mas, numa certa feita, promoveu uma alarmante confusão. A residência dos pais de Gora passava por reforma. Foi então que o senhor Teoli, ao tomar conhecimento de que o carro daquela jovem encontrava−se estacionado à porta de sua casa, ordenou que fosse imediatamente retirado. Houve perplexidade dos vizinhos, uma vez que o relacionamento entre eles era bom. Porém, o senhor Teoli não voltou atrás com a palavra e, momentos depois, Ueli, longe de uma compreensão, avistou o incomodado homem, na sacada, fumando e gesticulando incessantemente, não tirando de Ueli os olhos, o tempo todo.
Ueli, longe da incompreendida lembrança, percebeu que seu irmão, oficial graduado do Exército, estava chegando. Ouvia os ruídos da festa que os pais faziam para o irmão e, momentos depois, recebia dele um afetuoso beijo na cabeça.
– Como está, Ueli? – perguntou.
– …
– Encontro−me em horário de serviço. Mas consegui um tempo para vir almoçar com vocês. – disse ele.
– …
O irmão observou a agradável manhã, correu os olhos para os pontos alegres e tristes da vila, olhou pensativo para Ueli e disse:
– Vou conversar com papai. Ele está me aguardando.
Afastando−se, não foi possível perceber o cômico Parreides adentrando na vila.
– Eu o amo, Ueli! – gritou Parreides.
– …
Na medida em que as horas avançavam, mais crias da vila iam chegando: Qualho, Gustinho, Nengar. Todos, por sinal, também bem sucedidos. Ueli mantinha-se em seu mundo… Momentos depois, o irmão, mais uma vez retornando à sacada, o serviu.
– Suco de uva. Logo, logo, almoçaremos. – disse fitando o relógio.
Fitava, na verdade, a suposta angústia serena de Ueli, visto que, também sabedor da rotineira ordem de chegada dos antigos amigos de infância, sabia que logo, Ziza e Gora estariam presentes.
Ziza não demorou a chegar. Ueli, em nostálgicas lembranças, a olhava: “Desça, para brincarmos, Ueli.” “O livro é meu, Ueli, mas empresto.” “Oh! Que linda estrela, Ueli!” “Sorria Ueli, do contrário, não o beijo.”
Ziza era dois anos mais nova que Ueli. O esposo, ela e os dois filhos acenavam para Ueli.
– Ueli! – gritou Ziza, apontando para o peito – Você reside no meu coração.
– …
Gora chegou e a felicidade no rosto de Ueli se apagou... Fora numa noite de vento agradável e lua cheia. Sob olhares do senhor Teoli, os garotos da vila brincavam de pular corda. Gora segurava em uma das extremidades da corda, já que a outra ponta estava presa na árvore. Em um determinado momento, Ueli, ao saltar a corda, Gora a ergueu, e Ueli tropeçou-se, indo bater de modo trágico, com a cabeça no meio-fio.
A sinistra Gora havia também se projetado na vida: química notória. Em seu histórico constava: proprietária de patentes de fórmulas químicas letais. Casamento fracassado em razão de evitar filho, e dona de escurecida aura. Segundo os sensíveis.
Ueli que não havia conseguido entender a ira guardada pelo senhor Teoli, simplesmente a observava. Talvez até querendo entender por que Gora nunca o encarava.
– Vamos almoçar, Ueli! – convidou afável o irmão.
ATRAVÉS DA SACADA
ILUSÃO OU FATO?