O companheiro da atriz principal da película “O PENHASCO”, que na vida real também fora desassistida pela sorte, relata, diferentemente do filme, a superação da atriz.
– Onde estou?
Para atendê-la, caminharia dezoito metros, extensão modestamente de nossa sala de estar. Atendi a ela.
– Onde estou? – ainda interrogava, suplicando.
– Em nossa residência, querida. – respondi.
Enxuguei-a, pois havia se banhado. Vesti-lhe roupas, conduzi-a ao quarto e ajudei-a a deitar-se. O surto era passageiro. Porém, deixava-a desorientada por dois a três dias... Nos conhecemos no consagrado estúdio cinematográfico quando, curiosamente, filmávamos “O PENHASCO”. Éramos colegas, se é que assim se pode dizer, mas existia entre nós trocas de olhares. Limitados, todavia, aos nossos respectivos espaços: cinegrafista e aclamada estrela. No momento desse nosso encontro propriamente dito, havia comentários de ela, Agathe Aina, estar passando por problemas emocionais. Nós nos batemos precisamente no estacionamento do estúdio. Ela seguia pela esquerda quando o correto seria pela direita. Ao adverti-la, sorriu e perguntou-me se aceitaria jantar com ela à noite. Jantar com Agathe Aina?! Ao ver o meu espanto, voltou a sorrir e disse que, no final da tarde, haveria uma gravação e, quando terminasse, jantaríamos... Durante o jantar, esclareceu o dilema que vivia. Não se tratava de mal de Alzheimer precoce. Após realizar exames, o médico lhe dissera que sofria de uma complicação rara. Vez por outra, as fiações do cérebro entravam em curto. Havia medicamentos que atenuavam a frequência dos apagões, mas limitava-se a isso. Kim Phelipe, ator que contracenava com ela, desfazia-se da casa de campo, garantiu-lhe que era espetacular. Pretendia visitá-la, caso gostasse compraria e nela se refugiaria. No entanto, não pretendia viver sozinha. Perguntei se não era demasiadamente jovem para submeter-se ao refúgio. Deu de ombros e disse que estava fadada a fazer comerciais. Percebia que seria ‘escanteada’. As filmagens em curso tinham sido interrompidas três vezes consecutivas por causa dela. Concluímos o jantar, incumbido de providenciar uma visita à residência que estava à venda... Encantou-se com a casa bem como com o verde em volta. Percorremos a propriedade e conversamos por longas horas na beira do rio. Quando, por sinal, vivi o problema de perto. Olhando esquisito em torno perguntou onde estava. Disse-lhe onde estávamos, expressando querer reencontrar-se, ajudei a deitar-se sobre as areias. Durante a nossa caminhada, havia me contado que não tinha consultado o médico deliberadamente. A primeira pessoa que a alertou que havia algo de errado com ela foi uma camareira. Segundo a ela, encontrou-a desorientada sem saber como sair do quarto. Depois disso, outras pessoas que a flagraram de modo semelhante também recomendaram consultar um clínico... Olhando-a deitada, distante da existência, refletir sobre versículo sugerido no filme: “Atire-se!…” No verão nos mudamos para a mencionada residência. As filmagens haviam sido concluídas, porém os retoques que fariam diziam muito para Agathe Aina. Eliminariam insinuações existentes nos diálogos de que haveria uma segunda parte. O verão se fora, veio o outono e as dimensões que nos cercavam, tanto interna quanto externamente, tornaram-se imensas. Não tínhamos serviçais morando conosco. Ela preparava as maluquices dela e comíamos. Eu preparava as minhas maluquices e comíamos. Descartou a ideia de filho. Sentia-se sem condições, bem como também salientou que sentiria por ele ou por ela ter uma mãe não saudável. Certa noite, conversamos e, provavelmente, provocado por ela, já que falamos sobre a fazenda onde fora criada, cogitei a ideia de um aviário. Óbvio que não seria para o nosso sustento. Para matarmos o tempo. Meditando, abandonou a cama e, ao retornar, foi com o laptop. Disse-me que necessitaríamos de um curso. Havia idealizado um modesto aviário, mas não absorveu a ideia assim. Olhando imagens, falava num grande criatório de aves. Não teria problema, espaço não faltava. Além do mais, a propriedade era praticamente isolada, não causaria transtornos a vizinhos. A ideia adquiriu força. Contratamos uma empresa especializada e sugerimos como gostaríamos que fosse. Meses depois, estávamos diante de um grande aviário. Contratamos pessoal para cuidar. Rapidamente, se entrosou com o grupo de trabalhadores. Na ausência de um deles, assumia o posto com a maior naturalidade. Aquilo lhe fazia bem, observava. No entanto, os apagões não deixavam de acontecer, mas com a ajuda do tratamento medicamentoso percebia que a desorientação posterior à crise tornava-se mais branda. Mas o que faríamos com aquele mundo de ovos? Eis a questão. Decidimos destinar uma parte para doação e a outra para comercialização… Às vezes, encontrava-a deprimida. Isso geralmente acontecia quando retornávamos da cidade: o assédio era imenso. Então, na sala de fotos e troféus, mantinha-se triste e pensativa. Olhava-me pedindo explicação, porém tudo o que podia oferecer era acariciá-la. Todavia, na nova sala de fotos e “troféus” que construímos, ríamos. Havia uma serviçal que brigava ferozmente para sair ao lado dela nas fotos. Dos “troféus”, o que se destacava era um espetacular drible que uma ave fujona lhe dera. Saiu na foto com uma expressão superengraçada. Há boas recordações, boas e gratificantes recordações... Sobre a minha mesa de trabalho, certa feita, havia um documento com a seguinte observação: “A senhora Agathe Aina recomenda que conste a assinatura do esposo.” Outra declaração fora um não autoritário pedido dela: desolada na copa disse-me que não queria mais aquela mulher ali. Referia-se à veterinária. Vez por outra, trocávamos ideias sobre a criação. Aquilo a incomodou. Nada repliquei. Aliás, ao sair agradeci a ela. Todavia, o motivo do agradecimento não ficou explícito. Horas depois, perguntava-me sobre o motivo do agradecimento. Olhei-a nos olhos. Entendendo, cortejou-me, questionando faceira: “Quem disse que não?” Abraçamo-nos forte. Perguntei se era feliz. Era sim. Garantiu.
Encontro-me na porta da sala de estar, observando o caminhão de entrega manobrar…
–… Onde estou?
… É ela com o seu inconfundível apelo…
–… Onde estou?
Sem protesto, atravesso os dezoito metros de extensão de nossa sala de estar.
– … Onde estou?
– Em nossa residência, querida. Ajudar-te-ei a deitar.
Então, deitada distante da existência, reflito mais uma vez sobre o incentivo do filme: “Atire-se…”, e concluo, diferentemente da película, ser uma grande heroína, pois nunca cogitou a ideia da morte.
ILUSÃO OU FATO?