EDUARDO DAMASIO - IV

O "CORVO"

 

          Eram três horas da manhã, e os moradores do complexo de altos edifícios do bairro de Iato, viviam mais uma noite de angustiante vigília.
          – Foi apenas uma mariposa perdida que se chocou contra a vidraça, meu filho! – disse o pai ao assustado garoto, que estava em seus braços, observando o bicho morto no largo peitoril do janelão.
          No entanto, sorte aquela, adversa, a da família Keni, moradora do décimo sexto andar de outro prédio. Vencida pelo sono, dormia, alheia, que no interior do gigantesco apartamento, o nefasto “corvo” se encontrava. Considerável faca na mão, então no quarto do casal, tocava levemente com ela nos pés dos anfitriões, observando-os despertar. A mulher, a primeira a abrir os olhos e avistá-lo, pediu clemência, e o esposo, ao despertar e tentar uma reação, o predador intruso partiu para o ataque, acontecendo, também, ali, mais uma carnificina estendida aos dormitórios, onde os dois filhos adolescentes do casal dormiam.
          Dizia mais uma vez aos jornalistas o chefe de investigações, ao deixar o prédio no qual a carnificina havia acontecido.
          – Horrível!
          – E o que está sendo feito, senhor? Agora somam em dezesseis o número de vítimas dos ataques.
          – Estamos trabalhando.
          – Como o “corvo” consegue atingir os apartamentos?
          – Estamos trabalhando. – repetiu o homem.
          Páginas, sem proveito, viradas. Era madrugada, e a lua minguante marcava o céu. Comentou a senhora Neza com o esposo, referindo-se ao lapso de tempo ofertado pelo importuno.
          – Há quinze dias que o “corvo” não dá as caras.
          – Vigília, portanto redobrada. – retrucou o veterano de guerra, binóculo ao peito e o velho fuzil descansando sobre as pernas.
          – A polícia em nada avança. – comentou ela.
          – … Há circunstâncias que avançar é difícil… – teceu ele.
          Conversavam na varanda do luxuoso apartamento, espaço por eles transformado num rigoroso observatório noturno.
          – Quem será esse sujeito? – indagou ela.
          – Certamente alguém, sem alma, igual aos fomentadores de guerras.
          A senhora Neza, após contemplar o cenário, comentou:
          – Parece até que vivemos noites natalinas… – a iluminação, àquela hora da noite, predominava na grande maioria dos apartamentos.
          – O que a esperança ou o medo não faz? – questionou ele.
          – Quer café? – perguntou ela, olhando-o.
          – Seria bom.
          Ela, que havia se ausentado, logo retornou, informando-lhe que havia avistado o “corvo” entrando em um dos apartamentos da ala “E”. Mais que depressa se dirigiram à copa.
         – Onde? – perguntou ele a esposa prostrado no janelão.
          Apontado, ele recorreu ao binóculo, mirando o prédio suspeito que se distanciava a cerca de cem metros.
          – O que avista? – perguntou ela.
          – Nada.
          – Não seria melhor tomarmos outra medida? – inquiriu a aflita senhora.
          Ele, sem abandonar a visão que obtinha através do binóculo, indagou:
          – Sem ser apontando, sabe precisar o apartamento e o prédio onde o “corvo” supostamente se encontra?
          – Fica difícil.
          – Então.
          Sob dos olhos curiosos, o “corvo”, minutos depois, deixava o apartamento, e, grudado na fachada do prédio, igual a uma barata, passou a descer.
          – … O "corvo"… – balbuciou ele.
          – Meu Deus! Que horror ali teria acontecido? – inquiriu a senhora, levando as mãos ao rosto.
          O veterano de guerra, por sua vez, pronto para uma ação, apoiou o fuzil sobre o peitoril do janelão, enquadrou o “corvo” na mira e, com o dedo no gatilho, aguardou o momento certeiro para poder disparar. Desenhado então o momento certeiro, disse:
          – Descanse no inferno, imundo desalmado. – disparou.
          – … Acertou?! – perguntou a esposa.
          – Acredito que sim!
          O “corvo”, então alvejado, despencou de uma altura de quarenta e cinco metros, espatifando-se morto no chão.


ILUSÃO OU FATO?