O "CORVO"
Eram três horas da manhã, e os moradores do complexo de altos edifícios do bairro de Iato, viviam mais uma noite de angustiante vigília.
– Foi apenas uma mariposa perdida que se chocou contra a vidraça, meu filho! – disse o pai ao assustado garoto, que estava em seus braços, observando o bicho morto no largo peitoril do janelão.
No entanto, sorte aquela, adversa, a da família Keni, moradora do décimo sexto andar de outro prédio. Vencida pelo sono, dormia, alheia, que no interior do gigantesco apartamento, o nefasto “corvo” se encontrava. Considerável faca na mão, então no quarto do casal, tocava levemente com ela nos pés dos anfitriões, observando-os despertar. A mulher, a primeira a abrir os olhos e avistá-lo, pediu clemência, e o esposo, ao despertar e tentar uma reação, o predador intruso partiu para o ataque, acontecendo, também, ali, mais uma carnificina estendida aos dormitórios, onde os dois filhos adolescentes do casal dormiam.
Dizia mais uma vez aos jornalistas o chefe de investigações, ao deixar o prédio no qual a carnificina havia acontecido.
– Horrível!
– E o que está sendo feito, senhor? Agora somam em dezesseis o número de vítimas dos ataques.
– Estamos trabalhando.
– Como o “corvo” consegue atingir os apartamentos?
– Estamos trabalhando. – repetiu o homem.
Páginas, sem proveito, viradas. Era madrugada, e a lua minguante marcava o céu. Comentou a senhora Neza com o esposo, referindo-se ao lapso de tempo ofertado pelo importuno.
– Há quinze dias que o “corvo” não dá as caras.
– Vigília, portanto redobrada. – retrucou o veterano de guerra, binóculo ao peito e o velho fuzil descansando sobre as pernas.
– A polícia em nada avança. – comentou ela.
– … Há circunstâncias que avançar é difícil… – teceu ele.
Conversavam na varanda do luxuoso apartamento, espaço por eles transformado num rigoroso observatório noturno.
– Quem será esse sujeito? – indagou ela.
– Certamente alguém, sem alma, igual aos fomentadores de guerras.
A senhora Neza, após contemplar o cenário, comentou:
– Parece até que vivemos noites natalinas… – a iluminação, àquela hora da noite, predominava na grande maioria dos apartamentos.
– O que a esperança ou o medo não faz? – questionou ele.
– Quer café? – perguntou ela, olhando-o.
– Seria bom.
Ela, que havia se ausentado, logo retornou, informando-lhe que havia avistado o “corvo” entrando em um dos apartamentos da ala “E”. Mais que depressa se dirigiram à copa.
– Onde? – perguntou ele a esposa prostrado no janelão.
Apontado, ele recorreu ao binóculo, mirando o prédio suspeito que se distanciava a cerca de cem metros.
– O que avista? – perguntou ela.
– Nada.
– Não seria melhor tomarmos outra medida? – inquiriu a aflita senhora.
Ele, sem abandonar a visão que obtinha através do binóculo, indagou:
– Sem ser apontando, sabe precisar o apartamento e o prédio onde o “corvo” supostamente se encontra?
– Fica difícil.
– Então.
Sob dos olhos curiosos, o “corvo”, minutos depois, deixava o apartamento, e, grudado na fachada do prédio, igual a uma barata, passou a descer.
– … O "corvo"… – balbuciou ele.
– Meu Deus! Que horror ali teria acontecido? – inquiriu a senhora, levando as mãos ao rosto.
O veterano de guerra, por sua vez, pronto para uma ação, apoiou o fuzil sobre o peitoril do janelão, enquadrou o “corvo” na mira e, com o dedo no gatilho, aguardou o momento certeiro para poder disparar. Desenhado então o momento certeiro, disse:
– Descanse no inferno, imundo desalmado. – disparou.
– … Acertou?! – perguntou a esposa.
– Acredito que sim!
O “corvo”, então alvejado, despencou de uma altura de quarenta e cinco metros, espatifando-se morto no chão.