O FANTASMA DE TARCO POEN

          Madrugada na pequena cidade de Plim. Richer, 34 anos, ao despertar do sono, pressentiu que havia alguém no passeio da residência. À janela, ao afastar cuidadosamente a cortina, avistou, através do vidro, a medonha figura de um homem: punhal na cintura, casaco de couro e chapéu. Apreensivo, recolheu a cortina, escutando, em tempo, o estranho homem dizer que se chamava Tarco Poen, e que procurava pelo delegado Nore Noral Filho.
          – Transmita-lhe o recado. – ainda ouviu.
          Voltando a afastar a cortina, viu o homem partir.
          – O que faz à janela? – perguntou-lhe a esposa, que havia despertado.
          Sentando-se na cama, desfeito, lhe contou.
          – Que estranho, a delegacia fica a menos de duzentos metros daqui. – comentou ela.
          – Muito estranho. – replicou ele.
          Ela, dum salto, ao chegar à janela, não o avistando, acreditou:
          – Dobrou a esquina.
          Richer, pela manhã, alterando o itinerário do trabalho, passou na delegacia e, ao transmitir o recado ao delegado, fora agarrado pela gola da camisa, que o exigiu, aos gritos pejorativos, que repetisse a conversa. Mas, então salvo, encontrava-se no pátio da delegacia acercado pelos policias que o salvaram.
          – Não sou daqui. Mudamo-nos a menos de um mês. – respondeu o atônito Richer à pergunta que lhe fora feita.
          Outro policial, mostrando-lhe fotos, perguntou se fora o sujeito em destaque.
          – Ele mesmo. – confirmou.
          Os policiais se olharam, culminando em um deles dizer que Tarco Poen encontrava-se a sete palmos debaixo da terra. Morto, portanto, há vinte e cinco anos; abatido na praça da igreja com mais de cinquenta tiros.
          – Mas estou convencido de que tenha sido ele. – sustentou.
          Todavia, a entrevista foi encerrada. O delegado Dr. Nore Noral Filho, em pose austera, havia surgido no pátio.
          O assunto não era outro na pequena Plim. Richer chegou a casa, à noite. A esposa limitou-se em dizer-lhe que o vizinho, o senhor Nistral, desejava conversar com ele.
          – O que deseja ele?
          – Banhe-se, jante, e vá visitá-lo. – orientou.
          O senhor Nistral, após apresentar-se, mandou-o sentar, perguntando-lhe se havia conversado com alguém a respeito do assunto.
          – Sou topógrafo, trabalho na mata. – respondeu.
          Foi então que o vizinho lhe contou que Tarco Poen fora um matador temido, capturado e morto graças a uma emboscada comandada pelo então falecido delegado “calça-curta”, senhor Nore, pai do Dr. Nore Noral Filho. Empolgado com a brava ação, ao retornar da emboscada, procurou pelo filho de Tarco Poen, um garoto de seis anos de idade, e o matou com um tiro na cabeça, justificando que filho de peixe peixinho era.
          – Barbaridade.
          – Esta história, senhor Richer, já estava esquecida. Quero dizer-lhe, para que o senhor entenda, que o Dr. Nore Noral Filho, então delegado, há dois anos, vem trabalhando para candidatar-se a prefeito nas próximas eleições.
          – …!
          – A residência que os senhores ocupam pertenceu à amante predileta do senhor Nore. Nela que este desrespeitoso senhor, casado, passava a maioria das noites… A política nessa cidade, senhor Richer, tem apenas um único dono: a família Noral. Tanto a situação quanto a oposição são lideradas por essa família, e o Dr. Nore Noral Filho nada mais é que um Noral.
          Richer, após meditar sobre o que escutara, é servido pela esposa do Senhor Nistral, que lhe oferece biscoitos.
          – Bonitona e simpática a sua esposa, senhor Richer. Percebo que são jovens. – disse ela.
          – … Alguma recomendação omissa, senhora? – indagou o visitante. 
          – Apesar do pesar, senhor Richer, – interveio o senhor Nistral – a política nesta cidade corre aquecida, a elevado grau, no sangue dessa gente.  
          – …!

          Inquiri a esposa de Richer assustada:
          – Diz que deixaremos a cidade ainda esta noite?
          – É o melhor que deveremos fazer, senão poderemos ser hostilizados.
          – E o seu trabalho?
          – Retornaremos à capital, lá contarei aos supervisores.
          Enquanto Richer e a esposa mergulhavam no carro e partiam, a família Noral, através do telefone, começava a se digladiar.
          – Armação minha um cacete, primo! Está se esquecendo da baralhada que é a nossa família? Portanto, ressuscitando o passado imundo de titio, estaria expondo todos à rejeição.
          – E quem teria ressuscitado Tarco Poen? – quis saber o Dr. Nore Noral Filho.
          – Sou eu quem vai saber? Por algum momento, pensamos ter sido você quem criou a situação para nos acusar e boiar como vítima.
          – Isso teria cabimento, primo?
          – E teria cabimento ter partido de algum de nós?!
          Naquele fogo cruzado, os dias passavam. Porém, numa madrugada, o Dr. Nore Noral Filho, ao sair de um bar, fora num estilo próprio de Tarco Poen, morto ao sabor de impiedosas facadas. Durante o sepultamento, realizado no dia seguinte, a família Noral, surpreendendo a todos, firmou ali mesmo um pacto, cujo teor era de se afastarem definitivamente da política. O senhor Richer e a esposa, bem como os parcos e humildes familiares de Tarco Poen, foram intimados e ouvidos. Porém, oferecido subsídios inconsistentes, o processo fora arquivado, ignorando-se, até os dias de hoje, a autoria do assassinato do Dr. Nore Noral Filho. Todavia, foi unânime o convencimento da população de Plim de que o Dr. Nore Noral Filho tinha sido vingado pelo atormentado fantasma de Tarco Poen.

 
 
ILUSÃO OU FATO?