O SINO DA IGREJINHA

          A última vez que o sino da igrejinha da cidade de Pablo badalou fora às duas e trinta da madrugada. Como de praxe, os moradores acordaram apreensivos e, às nove horas da manhã, como também tradicionalmente acontecia, participaram da missa ao ar livre, celebrada pelo pároco local.
          – Quantas badaladas o sino dava, senhor Afonso? – inquiriu a jovem jornalista.
          – Duas: Blem! Blem! Os mesmos números de badalos da capela do hospital, senhorita.
          – E alguém morria?
          – O sino mostrou-se, por décadas, eficaz instrumento de aviso de partida.
          – Isso é verdade, senhor?
          – Claro que sim, minha jovem.
          – Conte-me, por favor, a história do sino da igrejinha?
          – Bem, nasci com ela. Contavam que o sino pertencera à capela do Hospital Aleluia, situado na vizinha cidade de Pilus, há cinquenta quilômetros daqui. Era ele manuseado pela freira Misericórdia, que o badalava sempre que alguém morria. Um dia, as águas do Rio Tempestade inundaram a cidade de Pilus. Muitos morreram, inclusive a freira, e, uma vez baixadas as águas, recuperaram o sino e o trouxeram para cá.
          – Contam que a freira o segurava.
          – Sim, é verdade. A nossa igrejinha de Santo Antônio havia acabado de ser construída. Colocaram-no, portanto, em sua torre.
          – E daí a história se iniciou?
          – Mas não por acaso. Surgiu em razão de observações: todas as vezes que o sino tocava, alguém da cidade morria.
          – E quem o tocava?
          – Aí é que se encontra o mistério, minha jovem.
          – Ouvi dizer que o senhor perdeu três entes dessa forma.
          – Um primo, um cunhado e a minha querida e saudosa mãezinha.
          – E o sino só tocava durante as madrugadas?
          – E, após tocar, o aviso valia por vinte e quatro horas.
          A jornalista sorriu.
          – É verdade, senhorita. – afirmou o senhor Afonso.
          – … Prossiga, senhor.
          – Mamãe, abandonando a cama, repetiu o ritual, e começou a orar.
          – Despedindo-se preventivamente.
          – Sim. Aquilo era terrível e, às vezes, engraçado, pois quantas vezes repetira aquele ato e nada lhe acontecera? Ou melhor, alguém da cidade partia, mas não ela.
          – Que alívio.
          – No entanto, naquele dia foi diferente. Almoçávamos, quando ela tombou sem vida.
          – Bem, senhor, mas quem tocava o sino?
          – Antes de toda a modernidade, a população, intrigada, exigiu que o prefeito criasse a guarda do sino. Feito isso, dois homens o observavam durante as madrugadas. Porém, nada adiantava, uma vez que o sino continuava a tocar sem que eles identificassem o autor da ação.
          – E o senhor sempre escapou?
          – O meu dia ainda não chegou, senhorita.
          – Mas a modernidade fez-se presente?
          – Sim. Cercaram o sino com câmeras, e, mais uma vez, os olhos eletrônicos não conseguiram captar quem era o autor dos badalos.
          – Mas conspiração política faz parte da estória dos badalos do sino?
          – Sim. O sino, naquela madrugada, badalou, e, por volta das dez e trinta da manhã, o prefeito dava adeus à vida. Mas fora uma conspiração: um falso anúncio.
          – E como sabem disso?
          – Esquecerem no local a vara, que o havia acionado, na porta da igrejinha. Durante a missa de encomendação do corpo, o pároco mostrava a vara a todos. Como faz parte do processo, encontra-se exposta no fórum.
          A jornalista desatou a rir.
          – … Fale-me sobre a estória do jornalista Franco, que o entrevistou.
          – Um sujeito irônico. Na madrugada daquele dia, o sino havia tocado. Entrevistou-me, uma péssima entrevista por sinal.
          – Como assim, senhor?
          – Perguntas debochadas. Lógico que uma pitada de humor é admissível. Mas ele ultrapassou os limites da seriedade com certos fatos. No Bar Arara, enchendo a cara, zombou de nossa crença. Entrou no carro e partiu, e, ao violar a cancela, o trem o atirou longe, morrendo no local.
          – O sino mais uma vez não falhou.
          – Exatamente, senhorita.
          – Mas o reinado do sino acabou.
          – Acabou sim. Aquilo era angustiante: “Será a minha vez, senhor?” Havia pessoas que se escondiam debaixo da cama. Matava-nos aos poucos. As pessoas só se sentiam aliviadas quando ficavam sabendo que alguém já tivesse morrido.
          – Experiência própria, senhor?
          – Exceto mamãe.
          – Mas o prefeito, o senhor Donaldo, pôs um final no reinado do sino.
          – Dizem ter sido um pedido da senhora sua mãe. Depositou-o nas profundezas do Rio Tempestade. Bravos pescadores contam que, vez por outra, o escutam badalar, mas é outra história.
          – Mas quem o badalava, senhor Afonso?
          – Ora, senhorita, a freira Maria Misericórdia, então em vida, só o badalava quando tomava conhecimento de que alguém tivesse morrido. Porém, depois de morta, sabia quem seriam os seus companheiros.
          – E o nome da dita cuja, Misericórdia!
          O Senhor Afonso olhou-a e sorriu.
          – É verdade.

ILUSÃO OU FATO?