− Tia, a senhora já ouviu falar do “Bruxo das Rotas”?
− Acho que sim, Milena.
− Era comum a visita de anjos à sua residência, tia. Dizem também que ele relatou passo a passo os seus últimos dias de vida e que escreveu mais de cem mil rotas. A senhora nunca desejou conhecer a sua rota?
− Não, Milena.
− O mesmo não aconteceu com a jovem Monali, tia...
−...
− Curiosa, visitou a residência do falecido senhor: o “Bruxo das Rotas”... Depois de ter percorrido a residência, uma espécie de museu, pronunciou o seu nome completo para uma das secretárias para que ela verificasse no arquivo se a sua rota havia sido escrita. Havia sido escrita, sim. Recebeu o caderno das mãos da atenciosa colaboradora e foi sentar-se à sombra de uma das árvores. Deliciando−se com a leitura, viu que o bruxo era fantástico. Pois tudo o que ela havia vivido até aquele presente momento constava escrito: os nomes dos avós, dos pais e dos irmãos. Do que gostava e do que não gostava. Os nomes dos amigos. As peraltices e até mesmo, tia, uma topada que quase resultou em tétano, constava escrito...
− ...
− ... Prosseguindo com a leitura, empalideceu. Pois constava escrito que, ao sair dali, a amiga Melissa a convidaria para ir ao shopping, comprariam pipoca e, naquilo, se apaixonaria pelo pipoqueiro. Casariam e teriam um filho... Uma menina, tia.
−...
− Por que está meditando, tia?
−... Continue, Milena.
− Frustrada, fechou o caderno. Tinha vinte e quatro anos de idade, vivia livre e desimpedida, e era feliz. Inclusive profissionalmente. Não era aquilo que almejava.
− As rotas escritas pelo bruxo eram certeiras, Milena?
− 100% certeiras, tia. Desconhecia-se que o bruxo teria escrito alguma rota vã.
− Continue, Milena. Continue.
− Levantou−se e, atordoada, passou a caminhar lado a outro...
− Certamente amaldiçoando Deus e o capeta.
−... Entrou no carro e partiu pensativa. No trajeto, como o bruxo dissera, o celular tocou. Era Melissa. Monali, revoltada, não atendeu.
− Rompia com a rota.
− Sim, tia.
− Nesse caso, o que aconteceria, Milena?
− Tia, o bruxo dizia que a rota era um caminho de pedras no oceano. Expostas de tal modo que não havia como saltá−las. Qualquer tentativa resultaria em fracasso. Cairia nas águas e a correnteza levaria sem destino.
− Igual à merda.
− Por favor, tia.
− Monali sabia dessa advertência, Milena?
− Era prefácio, tia.
− Continue.
− Só voltou a ligar o celular horas depois. Quando tocou, foi a amiga Melissa. Disse que havia telefonado para ela, porém não obteve retorno. Então contou que havia ido ao shopping e conhecido uma pessoa sensacional: um empreendedor de 27 anos que irradiava vontade de se estabilizar na vida. Só não ficaria com ele porque era comprometida. Monali, com pulga atrás da orelha, perguntou quem era. O pipoqueiro. Respondeu: Melissa.
− Você é astuta, Milena.
− Por que, tia?
− Comecei a entender a história a partir de certo momento. Não ‘fiquei’ com o vendedor de automóveis, que seria o pipoqueiro. E hoje é proprietário de uma concessionária. Porque, de fato, eu era comprometida. Quando a minha irmã, sua desmiolada mãe, ao saltar essa preciosa pedra... Assim, nas águas, a correnteza a levou.
− Cujo fruto dessa correnteza...
− É você, Milena.
− Por onde será que ela anda, tia?
− Quem sabe, Milena? Aposto que, se estivesse bem sucedida, teria nos procurado. Certamente ainda segue na correnteza boiando igual à merda.
−...
− Infelizmente, Milena.
− Compreendo, tia.
ILUSÃO OU FATO?