A LENDA DA ORGANIZAÇÃO "bP"

– … Será que ele não foi substituído, tia?
– Desapontadíssima, Milena. O Cristian e eu fomos colegas no ginásio, compartilhávamos bons pensamentos. Aliás, bons sentimentos a ele não faltavam. Mesmo formado em jornalismo não perdeu o título de repórter porque continuava divulgando os fatos e não embrulhando a gosto do freguês, como dizia. A queda pelo mundo da notícia já demonstrava no ginásio. Graças a ele obtivemos significativas melhorias, tanto na qualidade de ensino quanto na estrutura física do prédio escolar. Mas nos traiu, Milena. Com essa mal intencionada matéria jornalística, que fez sobre a nossa cidade, nos traiu. Agora, dificilmente teremos um porto. Portanto, todos nós estamos decepcionados com o comportamento de nossa traíra conterrâneo. A geografia portuária, critério mais valioso, sempre nos garantiu que teríamos um porto.
– Tia, diz a lenda que, num remoto tempo, ainda não havia a figura de um Deus bondoso e misericordioso para acalentar aflitos e angustiados corações, de um povo dominado por satânicos tiranos. Então, sábios sensibilizados com a situação reinante, criaram uma organização denominada “bP”, que tinha como finalidade substituir homens do mal por homens de bem. Porém, com o surgimento da figura de Deus, ou com a divulgação do seu nome, a organização “bP” entregou-lhe o comando e se retirou de cena.
– Mas, Milena…
– Escute, tia. Espere-me concluir. Para que melhor entenda, “bP” seriam símbolos e não letras. “b” seria o homem do mal de ponta cabeça substituído pelo homem de bem: “P”. Voltado para um terno horizonte. Então, tia, na Alemanha, no ano de 1944, em plena segunda guerra mundial, a lenda da organização “bP” ascendia gozar de um novo conceito. Como isso aconteceu? Um renomado padre bradava aos quatro cantos que a sua igreja jamais seria removida do local para ceder passagem para a via-férrea do facínora do Führer. No entanto, numa certa manhã, a cidade despertou como homens demolindo-a. O mais intrigante, tia, é que o rebelde padre judeu permanecia vivo. Ora, tia, ele abertamente chamava o Führer de facínora e continuava vivo, o que teria acontecido? Essa interrogação, ao ser discutida numa taberna, o proprietário, Tom Becker, disse que aquilo fora obra da organização “bP”. Retificado por alguém. Pois a organização substituía homens do mal por homens de bem. Retrucou que o interlocutor estava desinformado. A organização “bP” continuava firme e forte. Porém, com uma nova concepção. Substituía homens de bem por trapos. Portanto, o padre desafiador fora substituído por um traste e que justificava a repentina mudança de pensamento, dizendo que a construção da via-férrea seria um bem necessário para a Alemanha. Tom Becker disse que todas as desgraças do mundo deviam-se à nova concepção da organização “bP”. Eis que o símbolo permanecia autêntico o homem de bem de ponta cabeça substituído pelo homem do mal voltado para um turvo horizonte. Acreditava, inclusive, que Hitler era um “bP”. Pois haviam sido criados no mesmo bairro miserável. Ingressou na política, tornou-se uma peste. Mas o conhecia desde garoto e assim podia afirmar que não era aquela peste toda. Com toda certeza havia sido substituído pela organização “bP” por um louco mais feroz. Para a felicidade do planeta, a guerra despertou para a realidade: acabou. E iniciou-se a fase da caça às bruxas. Certo dia, um senhor surgiu na taberna do Tom Becker e disse que necessitava dos serviços dele. Seria objetivo. Havia certas autoridades, não só na Alemanha, que sempre foram tidos como homens do bem. Porém, com toda aquela turbulência, haviam se tornado homens do mal. Todavia, por conta da lisura do passado, havia resistência para enxotá-los dos cargos que ocupavam. Assim sendo, desejava que fossem acusados de serem “bP”. No entanto, a representatividade teria de ser oficial. Sugeriu que criasse uma entidade. Nada perderia. Tom Becker levou a mão à cabeça. Meditou e meditou. Criou a Fundação Caça aos Sósias e, a partir daí, começou o linchamento moral dos acusados. Então, muitos e muitos homens importantes, não só na Alemanha, além de caírem, tiveram contas milionárias confiscadas. Os anos passavam, os repugnantes aproveitadores do conflito tornando-se escassos, e a Fundação Caça aos Sósias, para também não ser sepultada, abriu as portas para o público em geral. Tom Becker questionava: teria o afeiçoado e perfumado acusado cometido aquela barbaridade? Jamais! A organização “bP”, danosamente, havia o substituído pelo tipo que tinha uma pedra no lugar do coração: sem amor a nada. Que chutava cães e gatos. Que não se asseava. E que apertava, com a mão imunda, a mão dos familiares, dos amigos e dos companheiros. Que comia meleca e todo tipo de porcaria. O povo, revoltado com a atitude ordinária do acusado, facilmente se convencia.
– Caso a Fundação Caça aos Sósias fosse requisitada para apontar quem era o Cristian...
– Seria ele um tipo vulgar, tia. Sem amor a nada. Que chutava cães e gatos. Que não se asseava e que apertava, com a mão imunda, a mão dos familiares, dos amigos e dos companheiros. Que também, tia, estourava espinha da cara e cheirava a secreção.
– … Por favor, Milena…
– Tia, eu sei que é natural mudar de opinião, ou até mesmo ceder por pressão. Concebível e natural,. Mas se vender? Degradante demais, tia. Geralmente resulta no furto de algo valioso pertencente a alguém. Então, quando me encontro diante de uma comercializada mudança de postura. O conceito da nova versão da organização “bP” preenche o vazio de respostas e me tranquiliza.
– Sofre-se menos, não é, Milena? A pessoa estimada não é realmente ela.
– Sim, tia. Foi substituída por um trapo.


ILUSÃO OU FATO?