À ONG BATATA QUENTE

          “O semáforo a estacionou.” Era assim que os perversos enfatizavam sobre a promissora carreira artística do jovem Angel, o qual se encontrava distanciado da mídia e recolhido na casa dos pais.
          – Ânimo, rapaz! O julgamento acontecerá na semana vindoura. Será coisa breve. – disse-lhe o pai.
          – Como posso ter ânimo, papai, se, com a aproximação do julgamento, a imprensa voltou a denegrir a minha imagem?
          – A bando de hipócritas mostra−se o dedo.
          – Mas não mentirei.
          – Espero que o policial testemunha seja sensato.
          Era visível a aflição estampada nos semblantes de Angel e de seus pais... O juiz, trajado a rigor, após a breve leitura de um documento do processo, balançou a cabeça, e perguntou a Angel se ele se considerava inocente da acusação, tendo o rapaz afirmado que, visualmente, não.
          – Considera−se culpado?
          – Visualmente, sim.
          – Confessa ter entregado um cigarro aceso a um menor?
          – Confesso.
          O juiz voltou a encará−lo. Procurando o recosto da poltrona, o promotor público dirigiu−se a Angel e perguntou−lhe o que pensava sobre indução ao vício.
          – Ato deprimente, senhor.
          – Sem dúvidas. Mas…
          – Foram as minhas mãos que entregaram o cigarro ao jovem e o acendeu, doutor. – afirmou Angel.
          – E não o consciente? É esta a sua insistente tecla?
          – É a verdadeira.
          – Pergunto: se for detectada a causa que alimentou o vício, o qual poderá se enraizar, haverá misericórdia ao debilitado?
          – …
          – Neste recinto, senhor Angel, já houve situações em que o acusado confessou que não fora ele quem matou a vítima, mas o projétil da sua arma…
          – …
          – Sem mais, senhor juiz. – enfatizou o promotor.
          Em meio ao público, a mãe de Angel, aflita, confessava ao esposo:
          – Não suportarei ver o meu filho preso por cinco anos.
          – Calma, mulher!
          O advogado de defesa, atento aos fatos se levantou e disse:
          – É imenso o alarde criado em torno do seu ato, senhor Angel. A sociedade está perplexa com o fato de ter ofertado cigarro a um menor. Foi o senhor atuado e, certamente, por se tratar de uma pessoa famosa, houve uma grande repercussão. A ONG Batata Quente, por sua vez, vendo um de seus protegidos sendo viciado, solicitou ao Ministério Público imediata providência… – pediu ao juiz consentimento para acionar o projetor.
          O projetor foi acionado. Apareceram na tela, imagens de menores de rua sendo espancados por policiais e civis, outros usando drogas, agredindo transeuntes, roubando e praticando sexo, explicitamente, com clientela diversa.
          – São gravações recentes… – afirmou ele.
          O promotor público pediu indeferimento ao juiz. 
          – O colega apresenta manobra na tentativa de pulverizar a ideia de que o ato praticado pelo acusado pode ser justificado pelo que se vê no vídeo. – argumentou.

          A projeção foi interrompida.
          O advogado, dirigindo−se ao juiz, perguntou−lhe se podia convocar o policial mencionado.
          – À vontade, doutor.
          – … Seu nome, senhor? – perguntou o advogado ao depoente.
          – Dalton.
          – Policial Dalton, recorda-se de o que o senhor Angel lhe disse ao narrar o fato ao  escrivão?
          – Recordo-me.
          – Pode nos dizer?
          – “Nem percebi.”
          – Nem percebi! Seria evidência, concisa, em ter praticado um ato inconsciente?
          – …
          O advogado agradeceu−lhe e, ao o mesmo em que se afastou, disse:
          – Como visto, o jovem Angel, além de talentoso, é honesto e sincero. Confessou, destemido, ao juiz, ser visualmente culpado. Ora, a fiança, pesada, imposta pelo ato praticado, já foi paga, e, como ficou demonstrado, foi um ato não intencionado. No mais, se o juiz assim me permitir, sugiro que a ONG Batata Quente seja destemida e não oportunista, e que procure abrigo de holofotes, enfrentando o que realmente tem de enfrentar.
          O promotor público, não se pronunciou. Em seguida, o juiz fitou Angel e lhe conferiu inocência.
          – Deus seja louvado! – reagiram seus pais ao ouvirem o anunciado.

 
 
ILUSÃO OU FATO?