Buster Lions, 77 anos, ao se aproximar, mudo, do indesejável visitante e apanhar o envelope que se encontrava sobre a mesa, escutou:
– Como disse, senhor Buster, são apenas cópias de algumas curiosas anotações. Quanto à agenda em si, encontra-se em poder de alguém de minha confiança, que a acessará, caso não lhe der um alô ate o final do dia.
– …
– Sente-se. – sugeriu o visitante.
O esguio anfitrião, olhando-o nada satisfeito, obedeceu-lhe.
– Lembra-se de quantos anos se passaram senhor Buster? – inquiriu o visitante, cujo nome era Conrad.
– …
– Trinta e sete anos. Contava com sete anos de idade e você, acertadamente, com quarenta. Li, recentemente, uma reportagem em comemoração aos seus gloriosos setenta e sete anos.
– …
– Ninguém acredita, não é verdade, senhor Buster Lions? Ninguém acredita. Mas, a bem da verdade, menti ao lhe dizer que era filho avulso do xerife. Bendita presença de espírito manifestada, ao ter percebido o seu assanhamento. Fato, inclusive, que me ensinou uma grande lição: nunca mais aceitei carona de estranhos, mesmo que seja de pessoas simpáticas.
– …
– Outra recordação. Ao dizer−lhe que era filho do xerife, você, temeroso, freou bruscamente. A agenda, que se encontrava sobre o painel, caiu em cima de minhas pernas. Abri a porta e saí correndo levando-a comigo junto com os meus livros, que ali também estavam.
– …
– Naturalmente que se recorda da história. – afirmou Conrad.
– …
– Todavia, nunca tive curiosidade de abri−la. Mas há alguns meses, por alguma razão, debrucei à leitura, vindo a descobrir que os nomes dos garotos e das garotas que constam na agenda são familiares. São ainda mencionados, na missa anual da igrejinha Santuário, em memória aos desaparecidos.
O senhor Buster, procurando um canto para repousar, às vistas, escutou:
– Permite−me fumar?
– Estamos ao ar livre… – respondeu, carrancudo.
Cigarro foi aceso.
– … Depois do azar, as investidas continuaram senhor Buster? – inquiriu Conrad.
– …
– Sob minha análise, creio que não.
– O que deseja? – inquiriu, seco, o senhor Buster, encarando-o.
– Sem alternativas, vender a alma ao diabo. É verdade, senhor Buster, pois o que me diz a respeito da situação do engenheiro envolvido no desabamento do viaduto Orecis?
Recorrendo à memória, o senhor Buster respondeu:
– Bode expiatório.
– Este engenheiro sou eu. Inocente. Todavia, com portas fechadas, sobrevivendo há cinco anos, só Deus sabe como.
– … Lamento…
– Como o senhor agiria se estivesse vivenciando tal situação? Entregaria à Justiça o responsável pelo abuso e assassinato de dezoito crianças ou o chantagearia?
– Aqui se encontra para me chantagear?
– Mais explícito que isso seria impossível, senhor Buster. Em troca da agenda, desejo cinquenta por cento de seu patrimônio.
Ouvindo, o senhor Buster sorriu, com desdém.
– Você é louco. – disse ele.
– Entregando−o, as portas fatalmente se abriram. Mas seriam aberturas sinceras? Evidente que não. Reconquistaria a minha profissão, através do reconhecimento de um ato heroico, e não através de minha inocência.
Após alguns segundos de silêncio:
– A sua fome lhe fez pedir muito. – disse o senhor Buster.
– Fechemos como? Com os cinco imóveis da Rua Aga? – perguntou Conrad.
O senhor Buster mergulhou-se em pensamentos e, num tom apertado, disse-lhe:
– De pleno acordo, senhor Conrad. Passarei esses imóveis para o seu nome. No entanto, como escutei as suas conversinhas, quero dizer-lhe que, ao menor passo em falso, alguém de sua intimidade, e posteriormente, você, não mais respirarão.
Os imóveis foram passados para o nome de Conrad e, em troca, sem passo em falso, o senhor Buster Lions obteve, de volta, a comprometedora agenda.
ILUSÃO OU FATO?