O HISTORIADOR E O REI

          Eis que o rei, do alto do trono, recebia o historiador para uma conversa.
          – Pois não, majestade! – disse o historiador inclinando−se respeitoso.
          – Sabe o que eu faria com você, se tivesse um coração amargo e cruel, meu caro historiador? – perguntou a majestade.
          – …!
          – Ordenaria que fosse atirado aos javalis. No entanto, seria digno de minha parte mandar alguém descansar nas profundezas do inferno sem conhecer a realidade?
          – Evidente que não, meu rei.
          – Mas que realidade seria essa, meu caro historiador?
          – …!
          – Seria a que você escreve?
          – Respeitosamente, a descrevo, meu rei.
          – Descreve?
          – Respeitosamente, sim.
          – Detona-me o tempo todo; pinta horrores! Sofro em suas mãos mais do que careca sob sol ardente. Apedreja−me. Como se eu fosse a pior das majestades. Mas, a bem da realidade, é que você a realidade desconhece, meu caro historiador.
          – Eu não o apedrejo, meu rei.
          – Psiu! Quieto e calado! – ordenou o rei.
          – …
          – Faz tempo que venho engolindo-o. Meus puxa−sacos não cansam de me pedir: “entrega esse sujeito aos javalis, majestade, que eles o arruinarão.” Entretanto, eu, com o meu coração puro, dócil e cristalino, igual ao de bebê, não me deixo levar.
          – Agradecido, majestade.
          – Não agradeça a mim, senhor historiador, agradeça ao meu intelecto. Iluminado, mostrou−me a pior das sentenças que destinarei a você.
          – Por favor, meu rei.
          – Oh! Por favor, meu rei!
          –…
          – Tem ideia de qual seja, meu caro historiador?
          O historiador meditou, coçou a cabeça e confidenciou:
          – Sabe qual é o problema, meu rei, olhos de elefante, ao molho de trutas, diferem bastante de olhos de rato ao molho de urina de aranha.
          O rei gargalhou.
          – E haverá olhos de elefante ao molho de trutas para todos? – inquiriu o rei.
          – A manada é imensa e reprodutiva, meu rei, e o mesmo acontecem com as trutas. – argumentou o historiador.
          – Evidente que eu sei que a manada é imensa e reprodutiva, meu caro historiador. É evidente que eu sei que as trutas se reproduzem abundantemente. Entretanto, meu caro, existem coisas terríveis! Oh céus! Infinitamente terríveis, meu caro historiador!
          – …
          – … Entregarei a minha coroa ao líder do povo, meu caro historiador. Povo este que você os pinta nas cores de um arco-íris angelical.
          – …!
          – Mas é você um historiador, não e verdade?
          – Sim, meu rei.
          – E historiador será?
          – Lógico, meu rei.
          – Então, não se iluda, pois será quando presenciará coisas gritantes, coisas terríveis! Coisas de que até Deus duvidará. Aí, meu caro, será quando suplicará pelo meu retorno.
          – Não é possível, meu rei!
          – Então, meu caro, se as suas descrições não forem fiéis aos acontecimentos, você conhecerá a fúria de um rei que foi induzido ao equívoco.
          – Sou um historiador, meu rei, e historiador sempre serei.
          – Será que permitirão que você respire por muito tempo?
          – …?
          – Será que, o ocupante desse trono terá o coração aveludado e cristalino igual ao meu?
          – …?
          – Oh! Santo e ingênuo sonhador! Ao líder dos pobres injustiçados, então rei, conselhos não haverão de faltar: “entregue este sujeito aos javalis, majestade.”

 
ILUSÃO OU FATO?