Aversão à concentração de águas tinha, nem dos signos de peixe e aquário ele era. Demais, coisas da vida. Assim julgava...
Laurinha, noite véspera do passeio, declarou ter desistido: não se sentia bem. Perguntei-lhe se poderia ser aquilo: enjoo pré-gravidez. Negou. Incentivou-me a ir. Afinal o aguardado passeio não deveria ser desfeito em razão da esquisitice dela.
“Não quer mesmo ir?” - perguntei.
“… Não.”
Na manhã do dia seguinte, voltei a telefonar para ela. Ainda se sentia indisposta. Para motivá-la, falei sobre o esplêndido dia: sol radiante...
“Divirta-se!” - desejou.
“Não quer mesmo ir?”
“Já disse querido, divirta-se!”
Dirigi-me para o porto. No semáforo, uma moradora de rua, após ter me pedido dinheiro e eu não me abalado com a súplica, escutei-a dizer: “Vá com Deus”. Geralmente assim procedem. Mas, como o entretenimento envolvia concentração de águas, coisa que detesto, observei o semblante da criatura. Não fora bem aquilo o que desejou. Dei de ombros. Pois, se vingasse, comprar-se-ia bem aventurança com boas moedas. Segui e cheguei ao destino...
O porto estava lotado. Conversas animadas, bebida, ensaio de dança, enfim. A embarcação, tipo iate, que nos conduziria, com capacidade para cem passageiros, enfeitada com bandeirolas, nos aguardava atracada. Estudei o rio. Óbvio. Imensamente largo. À esquerda, a quilômetros distantes, a nascente. À minha frente, cujas águas escoavam para a direita, encontrava-se a seis quilômetros distantes a cachoeira de sessenta metros de altura… Entrosei-me com um grupo, distraindo-nos. De repente, escutamos que o comandante da embarcação havia se sentido mal. A partida retardaria por meia hora. Um substituto estava sendo providenciado...
O percurso do barco era simples, conforme havia lido no panfleto. Seguindo no sentido da cachoeira, no sinal de alerta, a cinco quilômetros antes da queda d'água, contornaria para a outra margem e, margeando-a, seguiria para a nascente. Pararia por quarenta minutos e retornaria margeando o lado em que estávamos atracando, por fim, de volta ao porto. Duravam, em media, três horas, contemplando-se a bela paisagem em volta.
O comandante substituto surgiu depois de festivos aplausos, correu em boca miúda, formulado não sei por quem, que ele, na verdade, era estreante treinando. Assim, não de estalo, olhei para as águas, folhagens... sobre elas seguiam com disposição inigualável em direção da cachoeira... Dirigimo-nos para a enfeitada embarcação. Nas passadas, escutava temores, acalmados com palavras de resignação. Não à toa, pois houve casos de embarcações de pequeno porte seguirem direto para o ‘abismo’. Então, não mais caminhava, me arrastava. O grupo, com o qual havia me entrosado, ao perceber o meu desânimo, disse que tudo daria certo. Confiei. Porém, voto tão logo desfeito, pois o projeto de comandante dera violenta partida, a ponto de nos segurarmos. Susto passado, certo animado grupo retomou com as cantarolas acompanhadas na palma da mão. E garçons começaram a circular. Passei a conversar com alguém...
O barco deslizava suavemente e de forma prazerosa. A paisagem era bonita. Os cantadores soltavam as vozes:
"Quando a minha cuca fundida estiver, embarcarei no primeiro navio sem rumo a partir e, quando em mares distantes estiver, me dará valor. Verá que benquista sou. Verá que transbordo amor. Pois, para dona de bons sentimentos não faltará valor..."
Em dado momento, observei um detalhe. Era o sinal de alerta de que se aproximava e o barco seguia muito próximo da margem de partida. Adiante teria de bicar para a margem do outro lado. Analisando, acreditei que o certo seria já ter começado a traçar a meia circunferência, pois evitaria pressão das águas sobre o casco. Mas, indiferente seguia. Avistei o sinal de alerta e fiquei na expectativa da manobra. No entanto, o sinal ficou para trás. Desesperei-me e não fora desespero solitário, pois diferente de mim muitos não eram marinheiros de primeira viagem e tinham observado a merda que o comandante de meia tigela fizera. A manobra tardia começou a ser realizada. Sentimos que não daria certo, o declive parecia começar e, a partir dali, as águas passavam com grande velocidade. O projeto de comandante atordoado tentava vencer a corrente aquática, o barco não obedecia, gritos desesperados ecoaram... A correnteza venceu e o barco, teimoso, bicou no sentido do ‘abismo’! ...
Com todo respeito, meus amigos, quando a embarcação adquiriu gosto pelo discreto tobogã, sem que houvesse freios para segurá-lo, olhos esbugalhados e cabelos levantados foram o que mais vi. Impotente, sem nada que pudesse fazer, pulei nas águas. Muitos pularam. Nas águas, descia e subia. Expelir água. Acreditei que morreria. "Socorro!" Gritei para mim mesmo. Mas aprendi a nadar e nadei. Nadei, nadei e nadei. Até atingir completamente exausto as deliciosas areias.
ILUSÃO OU FATO?