Sonhos nada mais são que reproduções fantasiosas de experiências vividas. Fantásticos ou terríveis, fomentados através da união do consciente e do subconsciente.
Sanval vinha trabalhando arduamente para lançar a sua marca de geleia no mercado. Com a esposa e a filha, encontrava-se no interior de um buraco. Estavam ambos exaustos, pois haviam gasto energia imensa com orações e gritos de pedido de socorro, os quais não surtiram efeito.
– Recorda-se de como viemos parar aqui? – perguntou Fervilha.
– Creio que alguém tenha nos empurrado…
– Empurrado?
– Sim. A tarde cai e passaremos mais uma noite aqui. – disse ele.
Pouco a pouco, o sol se pôs. Fervilha, horas e horas depois, disse que, apesar de estarem em um buraco, entregues à sorte, era gostoso sentir a frieza da noite, escutar o silêncio e apreciar as estrelas.
– Perdoe-me, Val, mas essa foi a forma que encontrei para amenizar a situação. Está preocupado, não é verdade?
– Como não poderia estar? Mas, observando, estamos no interior de um buraco de terra. Se as paredes fossem de cimento seria pior.
– Então há um plano?
A pequena Mandri, debatendo-se, demonstrou que desejava dormir. Foi então que os dois se calaram. Ao amanhecer, já se encontravam de pé. Fervilha, perguntou ao marido qual seria o plano para que pudessem sair daquele lugar. Sanval disse que iria usar faca e colher para escavar a terra.
– Escavarei à altura de meu peito e avançarei subindo de modo inclinado.
– Igual à minhoca?
– Sim, igual à minhoca.
A ração era escassa. Fizeram simbólico desjejum, e Sanval partiu para a aventura, ficando Fervilha com a pequena Mandri nos braços. A garotinha não parava de chorar, e observava atentamente a atividade do pai. A terra era úmida, coisa positiva, pois facilitaria a escavação, mas, por outro lado, visivelmente passível de desmoronamento.
– Entrarei, Fervilha! – anunciou ele.
– Meu Deus!
O perigo começava a partir dali. E, como se a perversidade divina se fizesse presente, o tempo subitamente se fechou e chuvas torrenciais caíram.
– Saia daí, Val! – gritou Fervilha.
Sanval, obedecendo à esposa, abandonou, às pressas, a investida.
À escavação retornou, mas a terra estava deveras encharcada e o trabalho teve de ser interrompido...
Sanval, incomodado, perguntou à esposa por que Mandri tanto chorava.
– Não sei, Val.
Um novo dia havia amanhecido e Mandri estava rubra de febre. Realizaram ligeiro desjejum e Sanval, com mais garra, partiu para a escavação. Ao meio dia, faminto e orgulhoso com o progresso, interrompeu.
– Oro, oro e oro. – disse-lhe Fervilha.
– Continue a orar, Fervi, porque estamos perto.
Com as mãos lavadas numa pequena poça de água, que havia se formado, e pão seco levado em seguida à boca, Sanval voltou a pedir que orasse, pois logo atingiriam a superfície. E, ao avançar, dizendo-lhe que retornaria ao trampo, desesperado grito de pânico escutou:
– Mandri apresenta diarreia, Val!
Mandri chorava bastante e estava completamente “breada de merda.” Fora então, nesse momento, que Sanval, alucinado, despertou, procurando pela filha. Fervilha, alheia ao pesadelo, disse que a febre havia cedido e já tinha levado-a para o quarto dela.
– E a diarreia? – inquiriu ele.
– Que diarreia, Val?
Olhou em volta e falou do traumático sonho.
– Você gritou. – observou Fervilha.
– Estávamos, literalmente, no interior de um buraco. – confessou ele.
Ao contar-lhe todo o sonho, Fervilha, disse-lhe que, antes de ele passar a roncar, haviam conversado sobre a maldosa brincadeira de seu despeitado ‘amigo’. No entanto, não iria prosperar, porque a marca da geleia estava obtendo boa aceitação no mercado. Portanto, não era merda, como ele dissera.
ILUSÃO OU FATO?