REALIDADE X VERDADE

Elói esmiúça o processo judicial impetrado pelos pais de Elma contra o Estado, a fim de obter respostas sobre as aparências Realidade e Verdade.


          Elma, cabelos esvoaçados, disse-me, ao se aproximar, que não era louca. Encontrava-se internada naquele manicômio público em razão de acreditar ter vivido uma realidade. Seus pais, colegas, amigos e parentes comprovavam. Forçada, vivia submetida a potentes tranquilizantes para não espernear. Mas, como não espernear, esbravejar, descabelar-se e gritar que tinha vivido uma realidade? O esposo, o filho e ela eram uma família. Não residiam em abrigo de lona de fácil desmontagem. Mas, sim, numa casa de alvenaria. Portanto, tinha certeza de terem vivido uma realidade concreta e não abstrata.
          – A casa, o esposo e o filho desintegraram-se. – perguntei com modos.
          –… Não sou louca… – afirmou.
          No intuito de extrair um diagnóstico tosco, do seu estado mental, mencionei, deturpadamente, o endereço que era do conhecimento dela. Saiu-se bem. Retificou, categoricamente, o equívoco proposital e disse que trabalhou na Cherluz, durante treze anos. Empresa, localizada na Avenida Copenhague 686. Salas: 527,528 e 529. Bairro de Fátima.

CHERLUZ… SALAS: 527,528 E 529

          –… O senhor a supervisionou ao longo de treze anos. – conversei.
          – De fato.
          – Louca?
          – Seriamos também. – sustentou.
          – Elma – argumentei – afirmou que conheceu o esposo de nome Charles, aqui, durante uma comemoração. As comemorações eram privadas: restrita a vocês. No entanto, nenhum dos empregados dessa empresa, em número de trinta, ocupantes das salas 527,528 e 529 e o senhor. Reconheceram o homem, como alguém próximo, que Elma afirma ter conhecido aqui durante a comemoração. As comemorações eram filmadas. Em nenhuma filmagem desse evento, se via com quem ela conversava. Mímica é o que se via, dialogando supostamente com alguém. Porém, o senhor em testemunho afirma que viu um desconhecido na companhia dela. Ou, ela na companhia de um desconhecido.
          – Todos nós vimos. Inclusive a censurei mentalmente em razão da presença do intruso. – afirmou.
          – Comenta esse mistério com alguém fora desse convívio? – quis saber.
          – Sim.
          – O que o interlocutor diz?
          – Que é louca.
          – O senhor sustenta que havia de fato alguém com ela?
          – Sustento sim.
          – Como o interlocutor reage?
          – Ri.
          – Por não avistar o que o senhor afirma ter visto?
          –… 
          – O senhor ainda afirma ter conversado com Armina, a mais próxima a Elma. Contou-lhe que as únicas coisas que conversavam eram sobre o desenvolvimento do filho de Elma. O senhor também afirmou que Elma e Charles sempre comemoravam alguma coisa na residência e o senhor e colegas participavam do acontecimento. Reuniões festivas realizadas numa casa convencional, ou seja, de concreto.
          – Localizada no loteamento Pomar. Mantenho as palavras, sim. – enfatizou.

RESIDÊNCIA DOS PAIS DE ELMA.

          – Admissível até que a nossa filha cumprisse preventiva num presídio, mas num manicômio… – disse a mãe de Elma.
          – Elma comunicou à polícia o desaparecimento do esposo e do filho. Autoridades, ao comparecerem no local onde se deu fato, não avistaram nada. A residência havia também desaparecido. 
          – A nossa filha não é louca. – manifestou-se o pai de Elma. – Se for a minha esposa e eu, somos. Parentes, amigos e colegas também. Até mesmos prestadores de serviços seriam. Acostamos ao Ministério Público documentos rubricados por esses profissionais, cujas visitas realizadas na residência em questão. Porque os documentos estavam conosco. Charles e Elma trabalhavam. Minha esposa e eu intermediávamos as vistas.
          Retirei as vistas do pai de Elma, olhei para a cópia de uma das fotos que me foi cedida pelo Ministério Público e conversei:
          – Fotografaram a residência, no entanto, a imagem que pretendiam registrar não é captada.
          –…
          – Como se não existisse. – frisei.
          – Intriga-nos.
          Ainda observando a foto escutei:
          – Não somos loucos. Fotografamos inúmeras festividades realizadas na residência localizada no Loteamento Pomar…
          – Amávamos o nosso netinho. – disse chorosa a mãe de Elma.

LOTEAMENTO POMAR

          Antes de avançar de encontro ao loteamento, estacionei o veículo na porta de um comércio. O proprietário informou que, no sentido pretendido, encontraria um loteamento não prosperado. A conversa avançou, esclarecendo ainda que, no centro da quadra em evidência, também vazia, cercada por algum preposto da Justiça. Diziam que houve uma residência, como fora construída, o tal arquivo não constava na mente. Como teria desaparecido? Perguntava-se. Violei a recomendação da Justiça e, apegando-me às afirmações escutadas, vasculhei o terreno na esperança de encontrar ínfimo resquício que determinasse ter havido ali uma construção… Não encontrei… No entanto, não me abati. Pois percebi que estava diante das duas aparências que eu procurava compreender: Realidade e Verdade… Assim, após raciocinar, concluí que Realidade era o verbo e tudo presente no espaço. Em contraponto, Verdade apontava ser posicionamento em relação… Elma e os entornos viveram uma verdade. Eu, na minha caminhada, uma realidade vivi.

 
 
ILUSÃO OU FATO?