P & PARTICIPAÇÕES

          No tradicional almoço familiar de domingo da família Vilis, Marli, 25 anos, era o centro das atenções, pois havia conseguido um emprego curioso, sendo que o seu avô não tinha conhecimento de certas particularidades. Foi aí que um dos membros disse ao progenitor da moça, em tom provocativo, que ela era a mais recente empregada da família:
          – Contou−me, mas o diabo é que me omite o nome da empresa.
          – Não omito nada, vovô, a empresa chama-se P & Participações.
          – Mas que diabos o P significa?
          Marli, nada respondeu, mas um dos primos afirmou que, se ela não revelasse, ele o faria.
          – Está bem. – concordou ela – O nome da empresa em que trabalho, vovô, chama−se Putaria & Participações.
          O avô, estarrecido com a revelação, soprou a bebida para fora.
          – Como é?
          – O que o senhor ouviu, vovô, Putaria & Participações.
          E, pasmado, a futrica ainda escutou:
          – Há de tudo, senhor Manancio.
          – … De tudo o que, Marli? – inquiriu ele.
          – De tudo, vovô, mas, saindo do vulgar, são setores.
          – Setores de quê?
          – Assalto, tráfico, agiotagem, defraudação, filme pornô, ensinamentos satânicos, etc.
          O senhor Manancio, encarou a esposa e perguntou:
          – Sabia disso, mulher?
          – Evidente, meu velho. A única coisa que me deixa entristecida é saber da existência do setor de pedofilia.
          – Ah, vovó, precisa conhecê−las, são umas gracinhas. – reagiu Marli.
          – O mundo está perdido! – bradou o senhor Manancio, socando, melodramaticamente, a mesa.
          – Então, vovô ao ser contratada, levei o maior susto. “Meu Deus!” Retornei à sala e, ao perguntar ao assistente se era verdade o que havia lido abaixo das setas, ele, afavelmente, me disse que havia se esquecido de detalhar o nome da empresa...
          – Putaria & Participações! – frisou o senhor Manancio.
          – … Mas que ficasse sossegada, porque havia seriedade em tudo aquilo.
          – Seriedade em tudo…
          – É verdade, vovô. Contrato de trabalho e tudo mais. Os assaltantes, por exemplo, são comissionados, porém, quando a cota de produção mensal for atingida, fazem jus a um polpudo salário.
          O avô olhou todos com o semblante esquisito e indagou em voz alta:
          – Como é?!
          – O que o senhor ouviu, vovô.
          – Que assaltantes mais tontos são esses?! Faz sentido? Entregam x para receberem y?!
          – Ora, ora, Manancio. – manifestou a esposa – Se são assaltantes tontos, você, ao longo dos trinta e cinco anos de trabalho, não passou de um idiota assaltado. E o pior é que, uma vez aposentado, continua na mesma situação.
          – Mas a minha integridade moral está lá em cima! – enalteceu-se o avô ofendido.
          – Ora, vovô, será que nós, da Putaria & Participações, temos a nossa integridade moral lá embaixo? Estamos trabalhando. É a nossa ocupação. – questionou Marli.
          – O mundo está às avessas, minha neta, é o que posso dizer.
          – Sempre esteve, senhor Manancio. – teceu, pacífico, um dos genros.
          No silêncio, mediante garfadas, alguém comentou ser interessante a história do presidente da Putaria & Participações.
          – É sim. – reforçou Marli.
          – E pode me contar essa interessante história, minha linda neta? – inquiriu, irônico, o avô.
          – Ora, vovô, trombadinha, traficante, cafetão… Enfim, mas, sempre responsável, organizou−se e fundou-se uma agência que envolvesse agiotagem, indução a peculato e falsificação. Deu certo e a empresa se expandiu, sendo hoje a gigante Putaria & Participações.
          – Bravo! – aplaudiu o senhor Manancio.
          – É um pouco mais velho que o senhor, vovô, e a sua foto encontra−se em todos os setores.
          – Muito interessante. Mas contarei a minha história de vida.
          – Já ouvimos, vovô. – protestou o neto de doze anos.
          – Mas é bom que vocês, pequenos, a escutem novamente para que possam ter como mira um saudável espelho. Ingressei-me na Kalipitú como ajudante de serviços gerais. Com o tempo, esforçando-me e me dedicando ao máximo, fui aposentado como gerente geral.
          Em razão do indiferente eco, uma das noras, friamente, o socorreu.
          – Uma bela história, meu sogro.
          Outra nora, a qual havia se retirado da mesa e ninava o bebê, querendo saber se Marli estava gostando de trabalhar na P & Participações, como assistente social, disse:
          – É a minha profissão, e o salário é compensador. Além do mais, sinto que posso crescer profissionalmente. Estamos, inclusive, desenvolvendo um interessante trabalho na comunidade carente de Trinquinho.
          – Que legal!
          O seu admirador anônimo perguntou-lhe se era o estado o maior cliente da Putaria & Participações, pelo que ela respondeu:
          – Sempre. Trabalham coligados.
          Resmungou o senhor Manancio cômico, retirando−se da mesa:
          – Só me matando…
 
 
ILUSÃO OU FATO?