REENCARNAÇÃO

Podia-se ouvir a conversa mantida na varanda de uma residência da mencionada cidade. Tomsul ainda preservava aspecto de arraial. Na arborizada Praça Anzol, havia balaustrada, cujo mar espalhava-se adiante.



          – Segundo eu li, Alzira, a ideia da reencarnação é mais ou menos assim: condução da matéria que o espírito encarnou à perfeição para atingir o seu aprimoramento espiritual. No entanto, no meu humilde *abesullar, às vezes, resulta em tragédia: reproduz traumaticamente experiência vivida.
          – Por que diz isso, criatura?
          – Refletindo sobre o assassinato do casal de desconhecidos ocorrido recentemente no restaurante Estrela do Mar.
          – Repercute.
          – Mencionarei a história dos apaixonados Aldo e Jandira… Contam que, na adolescência, esconderam um par de alianças no navio encalhado. Aldo e Jandira não mereciam casar com as desgraças que conheceram na fase adulta e casaram. No entanto, estavam livres quando a tragédia aconteceu. 
No dia em que estiveram na Capela São Roque, fora para reviverem como se conheceram na adolescência. Depois, foram almoçar no citado restaurante para comemorarem a liberdade. À mesa. Fora o estabelecimento invadido por um pistoleiro a mando da ex-esposa do Aldo e do ex-marido da Jandira que os assassinou. 
             –...Tristeza.
             –Soube que o automóvel do casal de desconhecidos assassinados na semana passada, no restaurante Estrela do Mar, adentrou a Praça Anzol, por volta das 10:30 horas; estacionou sob uma das árvores e ali permanecera por bom tempo. O casal, tempos depois, se dirigiu para a mencionada Capela São Roque, permanecera por alguns minutos e seguiu para o restaurante. Nesse momento, um carro parou próximo. Acredita-se que o casal estava sendo observado. Vandré, experiente e antigo garçom, contou-me que aparentava ser amantes. Ela estava inquieta. Dado prosseguimento no atendimento à jovem, não tirava as vistas da mesa em que Aldo e Jandira foram assassinados. Por cortesia, disse que havia mesas livres, melhores posicionadas. Retrucaram que aquela mesa estava ótima. Sentaram-se e, momentos depois, se iniciou a confusão: alguém, empunhando uma arma, tentava adentrar o restaurante. Ao se erguerem, foram alvejados e mortos, supostamente pelo marido dela, ainda não se sabe. Pergunto: o que o casal de forasteiros fora fazer na provinciana Praça Anzol? O que fora fazer na desconhecida Capela São Roque? Qual teria sido o motivo da curiosidade sobre a mesa-palco de um remoto crime pouco repercutido?
          – Insinua que os espíritos de Aldo e de Jandira se encarnavam no casal de desconhecidos e os arrastaram para cá?
          – Assim creio. No início de nossa prosa, disse que, segundo eu li, a ideia da reencarnação era mais ou menos assim: condução da matéria que o espírito encarnou à perfeição para atingir o aprimoramento espiritual. No entanto, no meu humilde *abesullar, o tiro, às vezes, sai pela culatra; resulta em tragédia. Reproduz traumaticamente experiência vivida. Coisa que não deveria acontecer porque a ideia é nítida: o espírito encarna com o propósito de aperfeiçoar a matéria para atingir o aprimoramento espiritual.
          –…!
 
*Abesullar: espiar, examinar.

ILUSÃO OU FATO?